O mestre chinês Kakuan criou uma sequência de gravuras conhecidas como 10 estágios para domar o touro espiritual, um conto que começa com um homem comum buscando do Ser, a Verdade, passando por caminhos espinhosos, enfrentando as dificuldades e finalmente chegando ao encontro daquilo que nunca foi perdido, e então, o seu retorno ao mundo.
O touro pode em um momento representar o Ser, e em outro a mente, e essa confusão é possível de acontecer.
Abaixo estão gravuras e descrições a respeito dessa jornada espiritual.
Conteúdo
1- No campo, a busca pelo touro
Aqui se inicia a busca espiritual, a Iluminação.
O buscador procura por algo que nunca se perdeu, mas que ele acha que ele perdeu. Ele sente como que sempre estivesse faltando algo em sua vida.
O que causa toda essa confusão é o fato de sermos afetados pelos desejos, o fluxo constante de pensamentos em nossas mente, a correria do dia-a-dia, os medos, que faz com que achemos que não nos conhecemos ou que perdemos alguma coisa.
Mas a verdade é que essa sensação de que algo está perdido é uma ilusão.
Frase do mestre kakuan sobre esta fase:
“O boi nunca se extraviou realmente e, então, por que procurá-lo? Tendo voltado as costas para sua verdadeira natureza, o homem não pode vê-lo. Por causa de sua corrupção, perdeu de vista o boi. Repentinamente, ele se defronta com um labirinto de caminhos encruzados. A ambição de ganho terreno e o pavor da perda surgem como chamas extintas, ideias de certo e errado projetam-se como adagas.”
2- Encontrando as pistas
Nesta fase, o buscador abandona a vida comum, e sai em busca do touro (a libertação de sua mente, a felicidade). Ele observa as pegadas do touro e segue-as. Essas pegadas são as práticas como Yoga, Tai Chi Chuan, Chi Kung, Meditação, ensinamentos espirituais.
O mestre Kakuan diz isso sobre esta fase:
“Ele é incapaz de distinguir o bem do mal, a verdade da mentira. Não passou realmente pelo portão, mas tenta ver os rastros do boi.”
3- Vislumbre do boi
Agora, nesta fase, o buscador tem um vislumbre do boi, que é o êxtase do encontro com o Ser, encontro do si mesmo, a que é chamado de Samadhi.
Mas ele viu apenas uma parte do boi, não viu tudo. E para isso é necessário se libertar de padrões mentais limitantes, integrar nossas sombras.
O monge budista Bojo Guksa disse sobre essa fase:
“Exibindo seus chifres, o boi berra audivelmente, correndo ao largo do caminho da montanha na distância. Uma mancha de nuvens negras paira sobre o vale, o boi esmaga as mudas de trigo por onde passa.”
4- Agarrando o boi
Aqui o buscador percebe a grandeza do que procura, e então tenta controlar o boi com sua força e disciplina.
Essa disciplina é fundamental ao buscador, porque a mente confusa e desenfreada quer voltar a assumir o controle.
O monje Bojo Guksa diz o seguinte:
“Hoje ele encontrou o boi, que tinha estado longamente corcoveando nos campos agrestes, e, realmente, o agarrou. Portanto, ele esteve vagando pelos arredores de que não era fácil romper com os velhos hábitos. Continua a ansiar por pastagens cheirosas, é ainda obstinado e indomável. Se o homem quiser domá-lo inteiramente, tem de usar seu chicote.”
Veja este texto Zen:
“Eu o pego em meio a uma luta tremenda.
Sua enorme vontade e poder são inexauríveis.
Ele dispara em direção ao alto platô,
muito acima das nuvens de neblina,
ou permanece num desfiladeiro impenetrável.”
5- Domando o boi
Através das práticas espirituais como meditação, a entrega aquilo que é, a aceitação do momento presente e ensinamentos dos mestres iluminados, o buscador descobre a força interna para agarrar o boi.
Passa a não ser mais um escravo da mente, e sim, faz dela sua empregada. Pelo fato de ainda existirem desequilíbrios na vida, o buscador tem que continuar segurando firme o boi, pra ele não escapar.
Texto Zen sobre esta fase:
“O chicote e a corda são necessários,
do contrário ele se desviaria
para alguma estrada empoeirada.
Sendo bem treinado, ele se torna naturalmente gentil.
Então, sem estar amarrado, ele obedece a seu dono.”
6- Sob controle, o boi volta para casa
Agora o buscador não procura mais nada. Ele reconhece sua verdadeira natureza e se vê livre. Ele relaxa em cima do touro celebrando, tocando uma flauta.
Não existe mais luta, conflito ou a ideia de ganho e perda. Montado no touro, o Ser “domina” a mente.
O monje Bojo Guksa diz:
“Dormindo muito satisfeito sob o céu, o boi nunca mais precisará do chicote. O garoto, sentado sob o pinheiro, começa a tocar uma música tranquila, alegre. Cessou a luta, ’ganho’ e ‘perda’ não mais o afetam. Ele cantarola as melodias rústicas dos lenhadores e toca os cantos simples das crianças da aldeia. Montado no boi, contempla serenamente as nuvens no alto. Não volta a cabeça na direção das tentações. Embora alguém possa tentar perturbá-lo, permanece impassível.”
7- Relaxamento para além do boi
O buscador agora está livre, sente que está em “casa”. É o “fim das buscas”. O touro foi esquecido, sumiu. Tudo é visto como a “natureza do buda.”
O mestre Kakuan diz sobre isso:
No Dharma não há dualidade. O boi é a natureza primitiva: ele o reconhece agora. Uma armadilha não é mais necessária quando se apanhou o coelho, uma rede torna-se inútil quando se pegou um peixe. Como o ouro separado da escória, como a Lua que atravessa as nuvens, um raio de luz irradiante brilha eternamente.”
A não dualidade. Tudo é a natureza dos budas.
8- Vazio – Além do boi e do ego
Aqui é o estado de consciência pura e límpida. É reconhecido o vazio ou a alma de tudo que está a sua volta. Os julgamentos cessaram.
A mente está livre e sem limitações e não se busca mais nada, nem a Iluminação.
Mestre Kakuan fala:
“Eu sou um buda e supero rapidamente o estágio de ‘agora me purifiquei do orgulhoso sentimento de que não sou buda’. Mesmo os mil olhos (dos quinhentos budas e patriarcas) não podem discernir nele uma qualidade específica. Se centenas de pássaros fossem agora juncar de flores o seu quarto, ele não poderia envergonhar-se de Si mesmo.”
9- Dissolução
O relaxamento é total. Tudo é exatamente como é. Todo vazio é forma e toda forma é vazia. A brincadeira divina é plena. Não existe buscador nem boi, nem diferença entre interior e exterior. Tudo ao seu redor é a verdade.
Mestre kakuan diz:
“Ele observa o crescer e o decrescer da vida no mundo enquanto permanece imparcial, num estado de imperturbável serenidade. Esse (crescer e decrescer) não é fantasma ou ilusão, porém, uma manifestação da Fonte. Por que então há necessidade de lutar por alguma coisa? As águas são azuis, as montanhas verdes. Só consigo mesmo ele observa a mudança incessante das coisas.”
10- O retorno ao mundo
O buscador volta ao mundo e reconhece sua Iluminação e a de todos os seres.
Os mestres dizem: “Estamos no mundo, mas não somos o mundo.”
O mestre que “sabe” que tudo é buda, agora pode voltar às suas atividades normais com uma nova visão. O buscador sai nessa jornada para perceber que não tem nenhuma necessidade de sair.
Mestre Kakuan diz:
“O portão de sua casinha está fechado e mesmo os mais sábios não podem encontrá-lo. Seu panorama mental desapareceu por fim. Siga seu próprio caminho, não tentando seguir os passos de antigos sábios. Carregando uma cabaça (de vinho), passeia pelo mercado; apoiado em seu bordão, volta para casa. Ele guia os estalajadeiros e peixeiros no caminho de Buda.”
Texto Zen:
“De pés descalços e peito desnudo,
eu me misturo com as pessoas do mundo.
As minhas roupas estão esfarrapadas e cobertas de poeira,
e estou sempre bem-aventurado.
Não uso nenhuma mágica para prolongar minha vida:
agora, diante de mim, as árvores mortas tornam-se vivas.”
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